Usamos nossas vestes como se nos fossem próprias, isto é, os modos justos com os quais poderíamos dar a ver os nossos hábitos (e, não por acaso, hábito é o outro modo de dizer nossos costumes, nossas vestes, nosso modo próprio na impropriedade da exposição). Entretanto, nesse espúrio gesto apropriativo, acabamos por nos esquecer que o uso não é mais do que um servir-se ou um estar habituado, mas jamais uma propriedade, um próprio. As vestes, nossos hábitos, não cruzam o muro que nos separa do nosso ser próprio, pois não temos ou somos nenhuma propriedade, e só nos resta a impropriedade daquilo que chamamos história - e, talvez, por isso o paraíso, cuja etimologia remonta ao avéstico paridaéza (que significava os jardins cercados, os espaços fechados ao exterior), tenha sido, nos imaginários mitológicos - sobretudo judaico e cristão -, o único lugar em que ao homem não era necessária nenhuma veste, pois lá encontrava-se irremediavelmente investido, no seu ser, com a própria glória divina. Relegados ao exterior, lançados para fora dos muros que cercam o paraíso, só nos resta a percepção da nudez (a percepção do mal de nossa impropriedade) e, a partir disso, a tentativa de construção de um espaço de uso, onde, cientes da perdição (vagamos, erramos), tentamos ser com os outros perdidos, ousamos construir o nosso éthos, a nossa imprópria, e apenas passível de uso, morada habitual.
Imagem: Pieter Brueghel. Provérbios (detalhe). Rockox House, Antuérpia.
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