Não há senão o resto vermelho do tinto nos cálices, e tudo o mais é metafísica. A estranheza de estar num lugar inóspito, tal qual um marinheiro em águas distantes (e Ulisses, longe e consciente da impossibilidade de sua Ítaca). Toda e qualquer tentativa de encontrar-se é relegada a um modo de estar ao lado, de circular pelos espaços vazios da existência. Passando pelos tormentos alheios, como algum assistente de Virgílio na barca dantesca, vejo todo espectro de prazer circundado por lembranças, preso às sevícias da memória de alguém que sequer me lembro. Lembro aquilo que supostamente Kafka disse a Janouch: "há esperanças, não para nós", e, numa glosa paródica, digo: "há salvação, não para nós". Tento descer ao fundo dessas memórias de alguém, mas só percebo a insistência de uma memória do mundo - muito, muito maior do que a dos mortais. Há gritos pelas ruas e tudo o mais é silêncio. Estou só num mar arredio - o mar das falas outras, dos espaços outros, desse fio de insanidade que parece querer guiar-me são, porém, jamais salvo...
Imagem: Tintoretto. Descida ao inferno. 1568. San Cassiano, Venezia.
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