terça-feira, 12 de agosto de 2014

Sou, sim



Sou, sim, esta fragilidade toda
inútil e zombeteira, fruto da
fadiga de uma mente torta.
Não me canso do fracasso,
é nele que sempre venço:
venço a sorte dos fortes e

encouraçados, dos tolos
perdidos nas carapuças
insensíveis da vida banal.
Sou, sim, fruto do corte frio
da última lâmina que a mim
sorria nos seus doces lábios.

Tomado de ira neste ditado,
calado e suspenso no estado
de morte onde encontro, só,
páginas com todos os poemas
que ainda não escrevi, mas que,
de improviso, um dia lhe sorri.

Sou, sim, um frágil esboço,
um desenho inacabado e torpe,
alheio às formas mais nobres.
Desesperançoso e sem futuro,
não clamo a sorte dos duros,
neste mundo sem paixões;

crio um outro passado já denso,
apagado e reescrito a cada vez
que a fraqueza sobre mim se abate.
Sou, sim, fraco e reticente,
mas na fraqueza é que sou forte:
não disse isso o louco de Tarso,

apagado em seus traços e sem
voz que lhe brotasse do peito?
Durmo e levanto menos sóbrio,
esquecido por todas as multidões,
com poemas engavetados e sujos,
apenas frágil, isto que não nego:

sou, sim.  
 

Imagem: Caravaggio. Amor vitorioso. 1602-3. Staatliche Museen, Berlin.


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