segunda-feira, 18 de julho de 2011

Maneiras do nada



Pedaços em prosa [Pezzi in prosa] (ou ainda Prosas em pedaços, como quem dissesse prosas ou trabalhos feitos por pedaços), publicada em 1916, é, talvez, não obstante a sua aparência resignada, a mais difícil e complexa das coletâneas walserianas nos anos da grande guerra. Chega aqui, de fato, à sua crise decisiva (à sua catástrofe, poderíamos dizer, se é verdade que toda catástrofe é geradora de formas) o processo que conduz à formulação mais extrema do maneirismo walseriano. Se todo maneirismo contém em si um impulso teatral, aqui a maneira tende, de fato, explicitamente ao balé de circo, radicaliza-se em pantomima. E aqui o maneirismo revela também sua cumplicidade não muito escondida e quase afinidade eletiva que o liga ao niilismo.
Esse parentesco era já evidente em Nietzsche, em quem o elemento paródico e propriamente teatral (Nietzsche, já se disse, vive em íntima simbiose com um espectador) torna-se o único meio expressivo que sobrevive ao niilismo e sem o qual Assim falou Zaratustra - esse primeiro ballet russe do niilismo - seria simplesmente incompreensível. Mas em Walser é como se o maneirismo incorporasse não somente os valores e os sentimentos tradicionais, mas, antes, o próprio niilismo, fazendo-se tão íntimo dele ao ponto de conseguir de algum modo dele sair. Maneiras do nada são exatamente estes Pedaços em prosa.
Toda pantomima contém um elemento iniciador, é iniciação a um mistério (é notório que em Elêusis os místicos assistiam a uma espécie de ação teatral). As pantominas de Walser são iniciações nas quais não há nada para aprender, gestos nos quais o homem se confunde com todo mistério: passeios. Por isso o elemento teatral (que em Nietzsche e até mesmo em Rilke permanece tão rígido) dissolve-se e relaxa-se integralmente em prosa, e o Theaterstück [n. trad.: peça teatral] faz-se Prosastück [n. trad.: peça de prosa]. A estrutura da coletânea é inteiramente articulada nessa passagem: aos esboços teatrais e aos movimentos circenses do início (nos quais não por acaso aparecem também aqueles arcanjos do niilismo que são as máscaras da comédia italiana) segue uma gradual e intensiva exaustão e trivialização da maneira até os dois pedaços que constituem indubitavelmente um vértice da arte de Walser: Schwendimann (arquétipo perfeito da personagem walseriano) e Não tenho nada (esse embrião ou condensação de Passeio, composta nos mesmos meses).
O rapazinho "de aspecto bem humorado e abobado" que, autêntico indigente do ser, deixa para trás, um a um, árvores, campos, arbustos, animais e a cada um destes diz: "não tenho nada para lhe dar, caro animal, dar-lhe-ia com prazer algo se o tivesse" e, ao final de seu passeio, de repente vê como beleza do mundo o abandono de todo ser à própria sorte; este "recruta" metafísico, que parece anunciar o voyou désoeuvré [n. trad.: bandido desocupado; bandido sem obra] de Queneau e de Kojève, por um átimo nos faz ver face a face uma imagem enigmática de um ser juntos dos homens que não tem mais a forma da relação e constitui, portanto, o legado especificamente político que a arte de Walser deixa como herança ao nosso tempo.

Giorgio Agamben. Maniere del nulla. In.: Robert Walser. Pezzi in Prosa. Macerata: Quodlibet, 1994. pp. 9-11. Tradução: Vinícius Nicastro Honesko.

Imagem: Robert Walser, Berlim, 1909.

Nenhum comentário: