domingo, 2 de setembro de 2012

A pedra



História natural 

cobras cegas são noctívagas, 
o orangotango é profundamente solitário 
macacos também preferem o isolamento 
certas árvores só frutificam de 25 em 25 anos
andorinhas copulam no voo 
o mundo não é o que pensamos 

Carlos Drummond de Andrade (Corpo. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1987.) 
                                                                                                                                                                    
A desertificação dos arredores da fazenda Jaguara, 
acossada em seu entorno por reis-fazendeiros e bichos-alimento 
tornando a voluptuosa e antiga morada de jaçanãs, seriemas, 
viuvinhas, corruíras-do-brejo e socozinhos 
um simples refúgio, pequena ilha de vida 
à sombra austera e monótona 
da morte azeitada pelas técnicas do lucro    
deixava triste o velho Drummond. 

Hoje não só a vida alada e o incógnito selvagem escasseiam, 
o tempo é de pedra 
da pedra-deserto, da pedra-crack, da pedra-pedra 
o gozo dos viciados em pedra deste mundo-pedra delirante 
não só dos famélicos homens-sombra moradores de viadutos 
mas as pedras alucinógenas do consumo vazio, do cotidiano condominial
do "site", da rede social e do jornalão domingueiro
das pequenas pedras diárias de fascismo narcotizante.

Mundo mundo vasto mundo 
não é não foi nem será o que pensamos 
mas tornaram-te pedra 
fumaram-te em cachimbos, em motores, em plástico, em concreto  
e ainda obsessivamente fumam seus resíduos tóxicos 
novas drogas além-pedra, drogas metafísicas 
estão por ser inventadas 
leio Drummond como o canto da suinara na fazenda crepuscular de seus últimos dias.  
Sonho com musgos. 


Imagem. Jnf 

Um comentário:

Anônimo disse...

Jnf: vc precisa publicar seus poemas! de chorar...