História natural
cobras cegas são noctívagas,
o orangotango é profundamente solitário
macacos também preferem o isolamento
certas árvores só frutificam de 25 em 25 anos
andorinhas copulam no voo
o mundo não é o que pensamos
Carlos Drummond de Andrade (Corpo. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1987.)
A desertificação dos arredores da fazenda Jaguara,
acossada em seu entorno por reis-fazendeiros e bichos-alimento
tornando a voluptuosa e antiga morada de jaçanãs, seriemas,
viuvinhas, corruíras-do-brejo e socozinhos
um simples refúgio, pequena ilha de vida
à sombra austera e monótona
da morte azeitada pelas técnicas do lucro
deixava triste o velho Drummond.
Hoje não só a vida alada e o incógnito selvagem escasseiam,
o tempo é de pedra
da pedra-deserto, da pedra-crack, da pedra-pedra
o gozo dos viciados em pedra deste mundo-pedra delirante
não só dos famélicos homens-sombra moradores de viadutos
mas as pedras alucinógenas do consumo vazio, do cotidiano condominial
do "site", da rede social e do jornalão domingueiro
das pequenas pedras diárias de fascismo narcotizante.
Mundo mundo vasto mundo
não é não foi nem será o que pensamos
mas tornaram-te pedra
fumaram-te em cachimbos, em motores, em plástico, em concreto
e ainda obsessivamente fumam seus resíduos tóxicos
novas drogas além-pedra, drogas metafísicas
estão por ser inventadas
leio Drummond como o canto da suinara na fazenda crepuscular de seus últimos dias.
Sonho com musgos.
Imagem. Jnf
Um comentário:
Jnf: vc precisa publicar seus poemas! de chorar...
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