Antonin Artaud. La mort et l'homme. Desenho a lápis colorido. Abril de 1946.
Este desenho é uma sensação que passou por mim como dizemos em certas lendas que a morte passa.
E que eu quis apreender no ar e desenhar absolutamente nua.
O movimento da morte reduzido aos seus ossos essenciais
sem mais nada.
Um homem que caia no vazio e, caindo, voou para um outro homem as caixas de sopro dos seus pulmões.
Algo como um tique-taque do relógio reduzido a seu inseto simples, fora do amplo relógio que teria caído onde?
E esse inseto é morte na qual o homem caiu como uma régua reta, como a régua vertebral de uma reta perdida também por um morto que passava.
Veia, uma só veia e não duas,
e ao redor da veia a página branca,
veia extirpada de uma consciência,
quadro de um simples piscar de olhos...
é preciso olhar para esse desenho novamente depois de já o ter olhado uma vez.
Creio que ele permanece não no espaço mas no tempo, nesse ponto do espaço do tempo em que um sopro de trás do coração vem à existência e a suspende.
Gostaria, olhando-o mais de perto, que se encontrasse esse espaço de descolamento da retina, essa sensação como virtual de um descolamento da retina que tive ao deslocar o esqueleto para cima da página, como uma organização para um olho.
O esqueleto para cima sem a página com sua organização no meu olho.
Esse desenho não se endereça à inteligência ou à emoção, mas à consciência toda pura e toda nua.
Destacamento da imperceptível fibrila de um corpo que dilacera num instante a consciência pela cisão e em seguida a deixa adormecer em paz. Um golpe afiado de bisturi que no entanto cessa sem querer permitir à concepção propagar-se ou procurar, pois não há nada além desse golpe.
E fora disso a página está nua.
E quis que a ossatura e o equilíbrio dos lineamentos compensados pela escassez de seu timbre em todas as proliferações tentadoras de um maior número de formas de pensamento.
É assim que me foi preciso mais de uma hora de acomodação ocular antes de encontrar o ângulo segundo qual fazer cair o bastão do homem sobre a morte.
Teria podido dramatizar pela cor todos esses problemas, mas quis mais este aborrecimento de cores insípidas. E a sinistra sentimentalidade das caixas de sopro da vida revestidas de seda rosa e azul fraco.
Nada que sente a cânfora, de fato, como as caixas de certos caixões chineses nos quais a morte passa no azul escuro e o sangue da pleura rosada que a seda das paredes evoca.
Antonin Artaud.
p.s.: Desculpe-me por ter escrito a lápis, mas não queria fazê-lo esperar.
Comentário de Artaud sobre seu próprio desenho "La Mort et l'homme" teria sido uma carta enviada ao Dr. Ferdière em abril de 1946, ainda durante a estada em Rodez.
Tradução para o português: Vinícius Nicastro Honesko. Antonin Artaud. Oeuvres. Paris: Gallimard, 2004. pp. 1045-1046.
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