Ao tomar banho, hoje cedo, escutei pelo fosso das janelas dos banheiros do condomínio uma senhora conversando com um senhor. Provavelmente era um casal de companheiros já idosos. Ela estava conduzindo-o à ducha, tal como um prático guia um navio no momento de atracar no porto: "Segure ali... não, não, ali... tu consegues... isso, isso, devagar, devagar...". Ela, com o timbre vocálico já gasto pelo tempo, dava todas as coordenadas para o senhor. Ele, quase mudo, apenas resmungava algumas palavras: "A água tá muito forte... tá fria...", ao que ela respondia: "Já, já esquenta...".
Fiquei pensando no meu dia que começava com a reverberação desse diálogo quase finito - sim, notei que talvez pudesse ser esse o único tipo de diálogo que o casal tratava de ter no que aparentemente - sonoramente - mostrava-se como o limite da existência. A finitude dava para mim as caras logo nos primeiros lances do jogo do dia. Lembrei-me de outros começos que já marcam o fim; lembrei-me dos batistérios de San Giovanni e do Neoniano, onde, octogonalmente começavam as vidas dos cristãos. Sete mais um: essa era a ideia dessas construções; ou, Tempo (7) mais Deus (1), finito mais infinito. Era o jogo das anedotas bíblicas que lançavam suas malícias no meu dia: "Setenta vezes sete...", "Ouve, ó, Israel, o Senhor teu Deus é único" (e as imagens dos batismos... talvez o primeiro banho pensado como meio de lavar a morte, de limpar as barreiras da finitude). Começavam as coisas, mas o diálogo do fosso lembrava-me de que elas também terminam. E como não pensar na condição da partilha? Era o quê eu ouvia, uma partilha, uma divisão de experiências de vida, ou tão somente o abraço final de vidas despedaçadas? Não seria tal abraço também uma partilha da vida? Não, não estou sendo sarcástico; tampouco procuro uma seriedade - das máscaras do mundo dos homens sérios, no qual o pensamento sobre os velhinhos teria aquele grau consciencioso, auto-complacente, de que um dia estaremos também nós nas suas posições e que, por isso, devemos já começar a nos envelhecer -, mas talvez procure uma maturidade, aquela sobre a qual Nietzsche fala que é a capacidade de "reaver a seriedade que se tinha quando criança ao brincar."
Quando criança o banho era, quando não mal-vindo, mais uma chance de ser sério na mais pura brincadeira. Talvez também para o casal de idosos a vida poderia ser medida por um banho: na infância o gozo dos jogos de espuma, as brigas com jatos d'água etc., quando adultos os jogos eróticos, o banho a dois, as diversões sexuais... e agora, próximos ao fim, o nada aprazível jogo de coordenadas voltado à sustentação do corpo que já não tem mais forças. É, o jogo da vida talvez não nos deixe mais do que essa coleção de cenários, coleção de jogos... e talvez sejam eles - os jogos nos quais dia a dia podemos nos meter - a nossa própria condição de existência.
Voltam-me as elucubrações do banho, do dito banho de inscrição na vida eterna. Como lavar a morte? A construção dos octógonos batismais era também um jogo de contrários, pois as pias onde eram mergulhados os fiéis representavam também uma pira de fogo, o fogo do espírito que deveria descer para marcar a fronte daquele que então poderia suprimir de si a finitude. (Pia e Pira, apenas um "r"... queria entender o "r": que som é esse que remete à volta? Que som é esse que reverte, reflete, que faz as coisas virarem-se contra si mesmas?)
Pensei agora no templo do fogo em Baku, onde Zoroastro, olhando para o fogo, pensou na criação, na luz e na sombra, e talvez tenha influenciado, mesmo que eu não o saiba, toda a minha breve reflexão matinal. Aliás, talvez os octógonos sejam em alguma medida os simulacros do templo do fogo de Baku; aliás, por que tantos encontros com esses banhos do passado e não com os fossos do passado? Era de fossos na terra (dos gases do petróleo, o qual seria a degradação e esterilização do Arzebaijão no período soviético) que Zoroastro via sair o fogo. Mas é no contraste entre fogo e a água, o espírito e o corpo banhado, entre a vida e a morte (da pulsão mais viril da tenra idade aos dolorosos passos da senilidade) que talvez posso encontrar-me.
Talvez o batismo como símbolo seja isto: não apagar o fogo com a água, mas incendiar-se na água com o fogo. Porém, como fazer isso independentemente dos octógonos? Como não querer somar sete mais um, mas tentar ser o sete mais um independentemente da promessa dos octógonos? Como abraçar o finito e o infinito e, ao mesmo tempo, saber das condições que nos são impostas pela conversa que vem do fosso? Qual o meu jogo e qual o meu banho?
Penso no meu dia que começa com um banho e não sinto nenhum vento do espírito (é o primeiro banho, mas não quer lavar a morte), não escuto nenhuma promessa para além do banho - e para além da vida -, só um tilintar de vozes débeis a me alertar sobre a minha condição: jogue, meu amigo, jogue... mas lembre-se de jogar com a seriedade de uma criança...
Nenhum comentário:
Postar um comentário