quarta-feira, 10 de abril de 2013

Pequeno delírio em parágrafo IX


Certa vez, disse Borges: "A certeza de que tudo está escrito nos anula e nos transforma em fantasmas". O nada, a anulação, da vida está numa certeza, na certeza da inscrição. Quase como epigramas ambulantes, somos portadores de uma vida que se abisma, que se afunda, portanto, em mediocres certezas portadoras de sentido: as palavras. Passamos a vida tentando decifrar tais escrituras, mas já não sabemos ler. Nossos olhos, mais que janelas de algo com sentido, uma suposta alma, são um inócuo ponto esvaziado, um simples corredor de passagem ávido por luz, pela possibilidade de ler. Estamos perdidos em meio à catalogação da nossa espécie. Somos espécie, mercadoria, especiarias. Não nos resta outra saída, nem outra entrada. Somos o extravio do que chamamos nossos rostos, do que, à luz, dá-se a ver, dá-se a ler. Mas já não sabemos ler! E nenhuma luz é capaz de iluminar a escrivaninha-mundo. Somos livros abertos sem leitores; somos os fantasmas que não somos; somos e não somos: nada.

Imagem: Philip Jones Griffiths. Vítima civil, Vietnã. 1967. 

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