Na confusão das pálpebras, nesse seu ir e vir, às vezes permanecia atônito. Deitava-me e fechava os olhos em busca do repouso para aquela pequena parte plástica do meu corpo. Era um alívio profundo cerrar a movimentação irrefreável dos reflexos com o simples fechar de olhos. No entanto, como podia me sentir tão perturbado pelo simples e natural movimento das pálpebras? Como o piscar era uma espécie crise labiríntica, algo como uma interdição à normalidade da vida que via nos outros? Passava pelas ruas tentando imaginar o porquê de, talvez, ninguém ser como eu, um eterno incomodado pelo movimento quase involuntário daquele pequeno pedaço de pele. Olhava para um lado e via uma senhora que passeava com o cão. Imediatamente punha-me a pensar em como para o cão também deveria ser cansativa a necessidade de controlar a temperatura corporal pela respiração. Num menear de cabeça, percebi que tinha sido observado por uma moça que passava. Queria ter acompanhado aquele olhar; queria saber se aquele olhar que me fora há pouco desferido tinha sido, por um átimo, interrompido pelo piscar. Agora, em meu quarto, toda essa história sobre o piscar, parecia ser motivo para novamente me incomodar. Mas justo agora que repousava de olhos fechados? Não tinha tréguas, e o alívio profundo de alguns segundos atrás já havia se tornado novamente uma angústia. Titubeante, abro com receio os olhos e me dou conta de que a luz apagada não me deixa ver. Pisco irrefreavelmente pensando que a escuridão já não era o átimo do instante da piscada, mas a minha entrega aos joguetes da memória e da imaginação. As pálpebras tornam-se então as cortinas de um teatro abandonado e nada mais parece natural. As piscadelas, que agora não velam nem desvelam nada, dizem-me em silêncio: "somos as sombras do seu pensamento".
Nenhum comentário:
Postar um comentário