puros na língua... naturalmente:
signo de que a alma é suja.
Sempre foi
assim. Para mentir não é preciso ser obscuro.
Iludem-se, monstros, que a morte
iguala! Não sabem que é exatamente a morte
(seu álibi de servos católicos)
que desagrega, corrói, torce, distingue:
também a língua.
A morte não é ordem, orgulhosos
monopolistas da morte,
e seu silêncio é uma língua muito diversa
para que com ela vocês possam se fazer fortes:
exatamente ao redor dela gira
a vida! E vocês têm medo
da sua santa morte, do caos que implica:
o seu unilinguísmo é uma defesa!
A Língua é obscura
não límpida - e a Razão é límpida,
não obscura! O seu Estado, a sua Igreja,
querem o contrário, com a sua intenção.
São infinitos os dialetos, as gírias,
as pronúncias, porque é infinita
a forma da vida:
não é preciso calar-lhes, é preciso possuí-los:
mas vocês não os querem
porque não querem a história, orgulhosos
monopolistas da morte: os poetas
falam como padres e, proféticos,
cantam vitória, por toda parte,
as Cassandras: é passado o tempo das esperanças!
Tinham razão eles, escondidos
dentro das paróquias.
Agora saem à luz do dia,
tagarelas das privilegiadas angústias,
das livres esperanças impostas
pela força do capital que não se estingue.
Gadda! Você que é língua obscura
e razão obscura,
refuta-lhes as interessadas lisonjas,
no seu límpido raciocínio!
Moravia, você que é límpida língua
e límpida razão, repele o mal
por eles forçado, no obscuro ponto
dos seus nervos... Estou só,
vocês estão só. Nesta luta que é a luta
suprema, porque reassume todas as outras
e ninguém nos escuta.
Gostariam de reduzir o homem à pureza, eles
que são o caos! Ah, abra-se
sob seus pés a terra e falem
o seu esperanto no inferno.
E, no entanto, mesmo quem estimo e amo,
com quem tenho em comum a alma
em tantos aspectos, sabe, da língua, o externo
valor de história, como
se a história levasse ao uno, a um superno
ponto que nivela toda paixão,
quase como se o seu fim fosse a homologação
das almas! Não, a história
que será não é como a que foi.
Não consente juízos, não consente ordens,
é realidade irrealizada.
E a língua, se é fruto dos séculos contraditórios,
contraditória - se é fruto dos primórdios
tenebrosos - se integra, ninguém se esqueça,
com o que será e que ainda não é.
E esse seu ser livre mistério, toda forma lícita.
Queimar as instituições,
estupenda esperança para quem agora geme,
é uma esperança que as reais paixões
que nasceram não podem prever, nem os sons
novos das suas palavras.
Não chorem os católicos pela grandeza
do passado, chantagistas: pela Desesperança.
Mas os comunistas não se acostumem
à renúncia e à redução dos corações,
com a Esperança: com a grandeza da revolução.
Na língua se espelha a reação.
E a língua das suas palavras é a língua
dos patrões e das suas massas de servos.
Seja ainda viva e vibrante
no julgar, no acusar, convence,
sábio: mas se é o fruto
do homem burguês - que se lança
às novas conquistas, velho e horrendo
no coração - só pode exprimir
o homem, na sua histórica miséria.
Não há caminho de saída e mesmo quem se opõe
é aquele homem, miserável, ímpio,
estúpido, frio, irônico,
que torna facciosa toda sua mais séria
paixão, que não crê nas paixões alheias...
E nele reúnem-se nos dias do relaxamento
inimigos e amigos: recomeça a guerra vil
do descrédito, da doença, da
cegueira da célula
ou sacristia: e retorna o estilo
de um tempo, nos corações
como nos versos: e é melhor morrer.
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Pier Paolo Pasolini. La reazione stilistica. In.: La religione del mio tempo. Milano: Garzanti, 2001. pp. 155-158. Tradução: Vinícius Nicastro Honesko.
Imagem: Pier Paolo Pasolini. Auto-retrato n° 2, 1965.
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